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Estenose mitral reumática: atualização nos critérios ecocardiográficos

No inicio do ano foi publicada uma nova diretriz da American Society of Echocardiography (ASE) sobre critérios para o diagnóstico de doença valvar reumática.


Na introdução, houve uma análise da doença reumática no contexto mundial, sua prevalência e sua relação com o subdesenvolvimento social de países menos com menor força econômica, ressaltando como é difícil o diagnóstico apenas com dados clínicos. Mostrou também a incidência da doença em países desenvolvidos pelas correntes migratórias mundiais. Neste cenário, é fundamental o papel da ecocardiografia no diagnóstico tanto da doença valvar reumática aguda quanto doença valva reumática crônica.


A ecocardiografia como método diagnóstico da febre reumática aguda foi incorporada recentemente (2015) aos critérios de Jones, para as formas de cardite subclínica, sendo os itens mais importantes a presença de insuficiência mitral ou aórtico patológico e mudanças morfológicas devidas à valvulite mitral ou aórtica. As alterações morfológicas podem estar ausentes na fase inicial da doença, mas quando ocorrem são mais frequentes na margem de coaptação dos folhetos.



A doença reumática é a principal causa etiológica da estenose e da insuficiência mitral, caracterizada por espessamento dos folhetos e fusão comissural com progressiva diminuição da área valvar. A calcificação é observada nas formas mais importantes. A área mitral normalmente é de 4 a 6 cm² em adultos, diminuindo progressivamente até <2,5 cm² no acometimento reumático crônico, quando a pressão do átrio esquerdo começa a aumentar provocando aumento da cavidade, aumento da pressão pulmonar e eventual hipertensão pulmonar. O sintoma mais comum é dispneia que pode ser exacerbada em situações como aumento de débito cardíaco e taquiarritmias.


Já de algum tempo a estenose mitral importante é classificada quando a área valvar menor de 1,5 cm² (severo, em inglês). Isso foi ratificado nesta diretriz.

Leve

Moderada

Grave

Área valvar (cm²)

> 2,5

2,5-1,6

≤ 1,5

PHT (ms)

< 100

100 - 149

≥ 150

Gradiente médio (mmHg)

< 5

5 - 9

≥ 10

PSAP (mmHg)

< 30

30 - 49

≥ 50

Tabela 1. Classificação de severidade da estenose mitral


Do ponto de vista da morfologia valvar alguns critérios devem ser cuidadosamente observados para definir o grau da estenose, pois apresentam importantes implicações terapêuticas (valvoplastia por balão ou cirurgia):

· Fusão comissural;

· Espessamento dos folhetos com ou sem calcificação;

· Restrição do movimento com morfologia em bastão de hóquei ou domo durante a diástole; (Figura 1)

· Espessamento e encurtamento das cordoalhas tendíneas.



imagem ecocardiográfica de uma valva mitral reumática
Figura 1: Bastão em Hóquei na Estenose Mitral (acervo do autor)


Importante destacar o posicionamento do ecocardiograma bidimensional para o cálculo da área valvar por planimetria. (Figura 2) A calcificação do anel mitral observada em pacientes idosos diferencia-se do acometimento reumático por não apresentar fusão comissural, não espessar a margem livre dos folhetos e, em geral, apresentar graus menos intensos de estenose.


imagem ecocardiográfica de uma planimetria mitral
Figura 2: Cálculo da planimetria (acervo do autor)

As variáveis hemodinâmicas da Estenose Mitral consistem no cálculo do gradiente médio, da área pelo método da média pressão (PHT) e das pressões do átrio direito e arterial pulmonar.


Os gradientes devem ser obtidos alinhando o Doppler com a direção do fluxo, em geral desde a posição apical, usando geralmente o Doppler contínuo. Os gradientes são dependentes do fluxo e da frequência cardíaca, que deve ser considerada ao realizar as medições. Em casos de ritmo irregular ou fibrilação atrial deve-se calcular a média de pelo menos 5 batimentos cardíacos.


O PHT calcula o tempo que demora a pressão transmitral até atingir a média pressão, comparada com o tempo que demora uma válvula de 1 cm². Dessa forma, a fórmula para o cálculo da área de fluxo é: Área mitral (cm²) = 220/PHT


Pode ser também utilizada a equação de continuidade para o cálculo da área mitral, mas o método tem limitada reprodutibilidade devido a vários fatores de erro no cálculo dos parâmetros e nas formas geométricas, sendo pouco útil na prática


O método PISA assume que o orifício da valva mitral é circular, o que geralmente não ocorre, limitando ainda mais sua utilidade no laboratório de ecocardiografia.


Importante que tanto ecocardiografistas quanto cardiologistas clínicos tenham noção que tais medidas estejam contempladas nos laudos. Dessa forma, colabora para uma melhor decisão de quanto abordar de forma intervencionista tal paciente. Assunto esse para próximo post.


Referências

  1. Pandian et al. Recommendations for the Use of Echocardiography in the Evaluation of Rheumatic Heart Disease: A Report from the American Society of Echocardiography J Am Soc Echocardiogr 2023;36:3-28

  2. Gewitz MH, Baltimore RS, Tani LY. Revision of the Jones criteria for the diagnosis of acute rheumatic fever in the era of Doppler echocardiography. A scientific statement from the American Heart Association. Circulation. 2015;131:1806-18.

  3. Mirabel M, Fauchier T, Bacquelin R, Tafflet M, Germain A, Robillard C, et al. Echocardiography screening to detect rheumatic heart disease: a cohort study schoolchildren in French Pacific islands. Int J Cardiol. 2015;188:89-95.

Sobre o autor:

Dr. Irving Gabriel Araújo Bispo

Título de Especialista em Cardiologia pela Sociedade Brasileiro de Cardiologia.

Título de Especialista na área de Atuação de Ecocardiografia pelo Departamento de Imagem Cardiovascular/ Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Pós Graduado em Docência em Ciências da Saúde pela Faculdade UNYLEYA.

Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Professor de Cardiologia pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS).

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